Há pouco mais de um ano, eu participei de um pedal
noturno, que foi chamado de Trilha da Lua Cheia. Eu havia voltado a pedalar,
ainda com pouca regularidade, há uns 4 meses e estava despreparado para esse
desafio, pois fazíamos pedais de 30-40 km de distância e esse seria um pouco
mais longo. Além desse Blog, que é algo novo, eu mantenho uma espécie de
Ciclodiário no meu computador, que venho alimentando com minhas “aventuras” há
algum tempo, na verdade desde que voltei a pedalar, e é dele que retirei o material
para este post. Mantive a escrita no seu formato original, de um diário. Então,
vamos lá...
“16/01/2014
Após pensar bem, associado ao fato de que ninguém vai
pedalar hoje, decidi ficar em casa assistindo TV. Estou aguardando uma viva
alma que queira ir comigo na Trilha da Lua Cheia, mas até agora nenhum
conhecido meu topou. Me questiono se vale apena ir sozinho, ou se eu sou capaz
de aguentar o trajeto. Vamos esperar. Mas de toda forma, fiz minha inscrição.
Comprei a sapatilha SPD da Shimano e um pedalclip. Testei e acho que vai dar
para não cair, mas acho que escolhi o momento errado para experimentar: numa
trilha, à noite, de 75 km, no barro, com areia frouxa, buracos, cheio de gente
se acotovelando....kkkkk...eu devo ser maluco mesmo.
17/01/2014
Pensei em dar uma pedalada hoje, sexta-feira, para
compensar ontem, dia em que eu não fui, mas como amanhã é o “grande dia”,
resolvi descansar e poupar energia. Recebi minha última negativa dos
companheiros que convidei para ir amanhã na Trilha da Lua Cheia, mas decidi ir
de toda forma. Só saberei se posso se tentar. Vamos lá então.
18/01/2014: Dia da Trilha da Lua Cheia
14:30: cheguei agora em casa, vindo de uma pescaria com
uns amigos e vou ver se descaso um pouco. Comprei uma Coca-Cola, um Burn e sorvete.
Agora é só comida leve e hidratação.
16:45: levantei e comecei a baixar músicas (as mais
tocadas em 2013...nem sei quais são...nunca escutei) para compor uma trilha
sonora da pedalada de logo mais. Pensei: ‘vou sozinho, não conheço ninguém por
lá, não conheço o percurso, então pela lógica, tudo será uma surpresa,
inclusive as músicas executadas’. Acho que assim eu me centro no que estou
fazendo e não nas músicas, já que nunca às ouvi antes, sem gerar distração ou
expectativas. Sei que não é tão correto pedalar escutando música, com fones de
ouvido, mas sempre gostei e às músicas têm um poder de estimular, de motivar, e
isso eu vou precisar. Só uma música fiz questão de pôr no meio da seleção, uma
que escutei em um canal do YouTube (Praquempedala): “Song way”. Essa aguardarei
com expectativa. No vídeo do Henrique, do Praquempedala, essa música é que o
embala na pedalada sofrida que ele fez certa vez e talvez funcione para mim
também.
17:30: liguei para minha amada esposa para informar
que eu vou pro pedal. Falei um pouco com ela sobre o projeto e me senti mais
leve ao desligar o telefone. Daqui a pouco, umas 18:10, vou me aprontar. Agora
é só dar a hora de sair.
18:10: vesti minhas roupas, peguei a mochila de
hidratação, organizei as tralhas e tomei uma Coca-Cola e um Burn. Vamos lá.
18:30: pronto e a caminho.
19:00: estou na orla de Juazeiro-BA, esperando a hora
da saída. Tem muita gente. Acho que mais de 100 pessoas. Estou sentindo um frio
na barriga. Espero não me borrar todo. Encontrei Henrique e Felipe. Eles estão
aqui, mas só para ver a partida. Henrique me deu umas dicas de última hora. Vou
me concentrar em segui-las. Continuo achando que o pedalclip não foi uma boa
ideia para hoje, mas já estou aqui e já está sem jeito. Observação: parece que
estou digitando a medida que as coisas acontecem, mas obviamente não, vou
narrar de forma mais livre a partir de agora.
Seguimos pelas ruas de Juazeiro, um pelotão enorme,
passando nos semáforos, sem respeitar sinal vermelho, chamando a atenção de
quem estava nas calçadas. Tensão muito grande, pois há muitos carros e motos,
mas estou no meio do pelotão para buscar proteção. A medida que nos afastamos
da cidade o trânsito diminui e fico mais confiante de clipar ambos pés. Às
vezes é fácil de clipar e difícil de desclipar e as vezes é fácil de desclipar
e difícil de cliplar. Uma hora eu aprendo. Agora o pelotão começa a se
dispersar (a se quebrar, como é gíria dos ciclistas) e eu tento me manter no
miolo, mas com a minha forma física e performance é difícil. Chegamos na
entrada da estrada que leva a uma trilha carrancuda que vai dar na Agrovale,
uma fazenda de produção de cana-de-açucar. É hora de um "briefing". Note
que quando um ‘caboclo’ como eu, que tá começando, com medo e sozinho, escuta o
que eu escutei: "É isso aí pessoal. Nós todos estamos aqui por que
gostamos de aventura, porque aceitamos o desafio, ninguém veio forçado...então
vamos optar pela trilha mais difícil, mais técnica. Vão ser uns 10 km de
ladeiras, areia, cascalho, lama...tem buracos na pista...tomem muito cuidado,
que é perigoso...tem lugar que tem que descer da bike se não cai..."; é
para desistir e voltar. Pensei: “vou voltar”; mas tem um porém...já foram 20 km
e aí voltar daqui, além de vergonhoso, é foda. Vamos lá então. Confesso que se
tivesse visto no rosto de alguém a mesma expressão de medo que estava no meu
rosto eu tinha dito: “Ei camarada, vamos voltar?!”. Realmente não estavam
mentindo: foi foda! A trilha tinha vários trechos de ‘single-track’ e muito
terreno acidentado. Fiquei na rabeta, onde era o meu lugar. Os meus pneus não
ajudaram, pois como são mais lisos no centro, a tração ficou comprometida, bem
como a estabilidade. Fiquei lá atrás, mas pelo menos não cai. De tanto em tanto
tempo, um obstáculo obrigava o pelotão do fundo se fundir com os
intermediários, de tal forma que vira e mexe eu estava com o pessoal novamente
e isso foi bom. A minha companhia mais constante era a de um batedor de moto,
que ficava atrás de todos para garantir que não havia ficado ninguém para trás,
pelo mesmo mais para trás que eu. Findado esses 10 km, todos estavam reunidos
novamente. O pessoal da organização e o pelotão de frente esperaram todos
chegarem. Um breve ‘pitstop’ para uma barra de doce de goiaba, que havia levado
(na época nem sabia do que raios era CarbUp), e uns goles de água e voltamos a
pedalar. Agora já estava mais confiante e ainda estava muito motivado, mas
faltavam ainda uns 10 km para chegar a sede da Agrovale. Ao chegarmos lá, na
sede da Agrovale, encontramos uma mesa com frutas e muita água mineral. Comi
melancia e bebi bastante água. Fiz uns alongamentos e me preparei para mais um
trecho. Agora seria uma volta na plantação de cana de açúcar, mais uns 10-12 km
ao redor do perímetro, que nos traria de volta ao mesmo ponto de apoio. Eu me
toquei já havia passado da metade e ainda tinha pernas, então resolvi me soltar
e manter uma cadência que me permitisse rodar a perna sem esforço, mas ao mesmo
tempo num bom ritmo. Já não desclipava dos pedais com muita regularidade e
estava mais confiante. O que mais me surpreendia até aqui era não ter caído
ainda. Neste último trecho, para minha surpresa, mantive uma boa média (no
estradão) e me mantive no pelotão intermediário. Findada esta etapa, mais água
e alongamentos para o retorno. Alguém me disse que agora eram mais 25 km, só de
asfalto. Pronto! Meus problemas estavam acabando, só tinha que administrar o
esforço das pernas para chegar ao fim. Que venha o asfalto. E ele veio, e para
minha surpresa, minha cadência me permitiu ir no miolo do pelotão intermediário
e melhor, a cada km que passava eu ultrapassava um e outro, e chegando em
Juazeiro, percebi que só tinha eu e uns 15 outros ciclistas na frente. Eu havia
chegado apenas 5 min depois do pelotão de frente. Não poderia ser melhor: eu
havia conseguido completar a trilha e, ainda mais, muito bem (pelo menos para
os meus parâmetros). Descansei um pouco, me despedi do pessoal e fui em rumo a
ponte, pois eu ainda tinha que voltar para casa. Estava super feliz, mas
exausto.
02:00: Cheguei em casa morto de cansado, mas com um
sorriso enorme no rosto, sobretudo quando eu vi a quilometragem final: 81,8 km,
meu recorde pessoal. Me despi, tomei um banho no chuveiro do jardim mesmo,
entrei em casa, preparei uma gororoba e comi feito um bicho. Me deitei ainda
pensando no meu feito. Foi muito emocionante. Eu me emocionei mesmo! Descobri
que posso ir além do que imaginava e agora eu quero ir além mesmo. Abraço e até
a próxima.”
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