sexta-feira, 1 de abril de 2016

A despedida

Havia pensado muito no assunto, sobretudo nos últimos dias, e a decisão estava tomada: era hora de dizer adeus à Rebeca. Agora que escrevo, pensando e repassando os acontecimentos do dia em minha cabeça, é que tomo consciência de que sentirei a falta de minha “road bike”, a minha quase exclusiva Merida Reacto 400, minha Rebeca. Sim, sentirei sua falta, mas não, não o bastante para mudar minha decisão. O vazio que ela deixará será preenchido por minha mais amada ainda Scarlett (Scott Spark 950+), disso eu tenho certeza, mas em muitos aspectos Rebeca será insubstituível. Hoje pela manhã foi dia de pedalar com a Rebeca e logo ao sair de casa percebi que o céu já sabia de minha decisão, pois, atipicamente, ele estava nublado, cinza, carregado com nuvens de chuva.
O céu estava refletindo a mim mesmo. Saí de casa para o que seria minha última pedalada com a Rebeca. A medida que os km se passavam, assim como o tempo também, as gotas de chuva, poucas gotas de chuva, caiam do céu, como um pranto em função da tristeza. Entretanto, mesmo que estivesse me indagando se tomara a decisão mais correta, a tristeza foi dando espaço à alegria, à euforia, e à medida que eu pedalava, que aumentava o ritmo e elevava a velocidade, para sentir o asfalto passando rápido por sob meus pés e o vento soprando em meu rosto, mais eu me alegrava.
Em um dado momento, comecei a sentir um ardor nas pernas que junto com o frio da manhã me proporcionavam uma sensação mista de cansaço e disposição. Bom, explicando melhor (sem romantizar), há cerca de um ano, eu me tornava o feliz proprietário de duas belas bikes, uma ‘road bike’ e uma ‘mountain bike’. A ideia era simples: ter acesso a dois mundos do ciclismo. O plano era treinar durante a semana com a ‘road’, pelo asfalto, e pedalar de MTB nos fins de semana, pelas trilhas. Mas, também, e desde o princípio, a função da ‘road’ era treinar para me condicionar para o MTB, usar a ‘road’ para poupar a MTB (já que a manutenção da ‘road’ era irrisória em comparação a minha full-suspension), manter a ‘road’ original enquanto customizava e melhorava a MTB. Assim, de uma certa maneira, a Rebeca sempre foi “a outra”, então a decisão de ficar apenas com a minha Scarlett era algo esperado. Aqui, na minha cidade, o asfalto é deplorável, assim andar de ‘road’ é meio prazer, meio tortura. Vibrações e solavancos a parte, como a ‘road’ era usada para o condicionamento pró-MTB, o meu estilo de pedalar com a Rebeca era voltado ao giro (pouco
usava o coroão, ia só de coroinha), à manutenção de elevadas rpm, a usar mais o cardiorrespiratório que a força das pernas. Uma ‘road bike’ não foi feita para isso (que maldade minha)! O “pessoal da speed”, daqui de minha cidade, nem mesmo me conhece, pois eu pedalava com a Rebeca sozinho (na maioria das vezes), e assim eu não participava da cultura do asfalto. Também, é fato, eu não conseguia rodar muito rápido com a ‘road’ (não tenho força para isso), os meus percursos eram curtos (40-60 km), pois os fazia no meio da semana (quando dispunha apenas de 1,5-2,0 h para pedalar), já que os fins de semanas eram reservados para o MTB, o que me desencorajava a me juntar aos donos de “rodas finas”.
Enfim, não me adaptei à ‘road bike’. Com tudo isso, além de eu ter verdadeira ojeriza em possuir coisas as quais são subutilizadas por mim, decidi por abdicar da propriedade de minha ‘road bike’, minha Rebeca. Não sei se pelo clima de despedida, se pela sensação de dever para com ela, em fazer uma última pedalada à sua altura, ou simplesmente porque eu quis, foi uma excelente pedalada: rápida, forte e vigorosa. Assim me despedi dela. Chego ao fim de uma “era” e “era uma vez” eu de ‘speed’. Adeus minha Rebeca, que seu novo dono esteja à sua altura, lhe ame, lhe trate bem e que você voe com ele, pois você foi feita para a velocidade.

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