terça-feira, 19 de maio de 2015

A expedição ao Ponto G

Participo de dois grupos de MTB, aqui na minha cidade, cujo objetivo é integrar os ciclistas, motivar, panejar rotas, propor desafios e promover o ciclismo aqui. São basicamente “clubes” de ciclistas, que se reúnem para dar umas pedaladas por aqui e ali. Um dos grupos é o Bikevasf, que fundamos e estamos tentando pôr para frente, clube que está intimamente relacionado com a nossa equipe oficial, a CPP BIKE TEAM. O outro clube se chama “Bike do Sábado”, um grupo bem seleto e pequeno que, como o nome pressupõe, sempre sai para pedalar aos sábados. Toda semana, entre a quarta e sexta, planejamos

qual será o destino do próximo sábado. Partimos de sugestões e votamos em qual achamos melhor, a maioria decide. Nesta semana, como sempre, estávamos debatendo qual rota segui quando o René interpelou e disse: “Pessoal, a Google, há algum tempo, lançou um desafio para que pessoas, ao redor do mundo, encontrassem localizações geográficas específicas, onde os paralelos encontram os meridianos, em valores inteiros, redondos (números inteiros), onde essas pessoas têm que fotografar o local e provar que estiveram lá através
de GPS”. Na verdade, originalmente, o projeto se chama "The degree of confluence" e tem como objetivo visitar cada uma das interseções de latitude e longitude graus inteiro no mundo, e para tirar fotos em cada local. Aqui um parêntese para uma explicação (mania de professor). Sabe-se que as coordenadas geográficas são um sistema de linhas imaginárias traçadas sobre o globo terrestre. É através da interseção de um meridiano com um paralelo que podemos localizar cada ponto da superfície da Terra. Os paralelos são linhas paralelas ao Equador, sendo que a própria linha imaginária do Equador é um paralelo. Já os meridianos são linhas perpendiculares ao Equador que vão do Pólo Norte ao Pólo Sul e cruzam com os paralelos.
Nas coordenadas geográficas, a latitude é a distância ao Equador medida ao longo do meridiano de Greenwich. Esta distância mede-se em graus, podendo variar entre 0º e 90º para Norte ou para Sul. A longitude é a distância ao meridiano de Greenwich medida ao longo do Equador. Esta distância mede-se em graus, podendo variar entre 0º e 180º para Leste ou para Oeste. O padrão de coordenadas, latitudes e longitudes, é expresso em graus (°), minutos (‘) e
segundos (“), como exemplo: minha casa está localizada S 9°24’097” W 40°28’641”. Por favor, caso você tenha um míssil teleguiado, não apontem para cá. O René disse ainda que àquelas pessoas que conseguiam alcançar o objetivo de georeferenciar esses locais definidos pela Google tinham os seus nomes registrados como os primeiros a fazê-lo. Havia um ponto, próximo a nossa localidade, que estava em aberto, isso é, que ninguém havia “desbravado” ainda. As coordenadas eram: Sul (S) 9°00’000” e Oeste (W)
41°00’000”. O desafio estava lançado, iriamos tentar chegar a essas coordena,das e fazer a geomarcação. O Lucas batizou o projeto como sendo “A Expedição Ponto G”, já que o G remetia a Google. Todos concordaram (às risadas). Começamos o dia cedo, na madrugada do sábado, acordamos entre às 4:00 e 4:30 para organizar as bikes e as tralhas que levaríamos. Bem cedo tivemos a notícia de nossa primeira (e única) baixa: o Fred. Nosso renomado companheiro estava passando mal e desistiu da expedição. Sentimos muito a sua falta, mas alguém tinha que cumprir a tarefa e esses seriamos nós: eu, René, Lucas e um companheiro ciclista local (de Casa Nova) o Ricardo. Ainda escuro nos dirigimos ao ponto de encontro, em Petrolina, que seria em frente ao prédio residencial do Lucas. A nossaaventura começava na cidade de Casa Nova-BA, cidade do Ricardo, e para isso deveríamos fazer a primeira perna, de Petrolina-PE até Casa Nova, de carro. O Lucas possui um belo reboque-transbike,
onde cabem 6 bikes, que acomodaram as magrelas e nos levou até Casa Nova. Lá chegando, paramos em um posto de combustível, onde deixamos o carro e o reboque, nos encontramos com o Ricardo, posamos para a foto inicial e nos preparamos para sair. René deu uma última conferida no GPS e nos mapas e saímos em direção ao povoado Poço da Pedra. Logo na saída da cidade, paramos para mais umas fotos. O cenário, apesar de belo, era um pouco desanimador, pois o pano de fundo era uma ponte que serve para atravessar uma parte do lago de Sobradinho e não havia água corrente (havia muito pouca água parada) por sob essa ponte. Aqui a água também está em baixa. Vamos para frente. Logo no início do estradão, que nós nos embrenhamos, percebi que a pedalada ia ser dura (só não imaginava quão dura). Muita areia frouxa e pedras soltas e logo avistei a primeira subida. Em nossa cidade, Petrolina, não temos relevos acentuados, na verdade não temos relevo algum, é uma cidade muito plana e isso é algo bom e ruim. Bom porque não há muito esforço para ir
por ali e acola e ruim pois quando enfrentamos uma subida falta-nos perna (pelo menos para mim, o René e o Ricardo pareciam estar em um parque de diversão, sem nem fazer esforço, subindo e descendo no mesmo ritmo). Parecíamos estar em uma montanha russa, sobe e desce, sobe e desce, sobe e desce. A cada descida eu vibrava com os solavancos (minhas suspensões funcionaram sublimemente) e sentia o vento no rosto por conta da velocidade, que variava de descida para descida, entre 40-60 km/h (era de dar medo). Entretanto, logo após a descida, vinha uma subida tão íngreme quanto e aí a velocidade era a de uma tartaruga centenária com três pernas. Vez por outra, tinha uma
descida que nos dava velocidade o suficiente para vencer 60-70% da próxima subida, mas outras vez não tínhamos esse luxo. Cada subida vencida, em cima da bike, era comemorada, algumas até mereceram fotos, onde os companheiros que primeiro subiam fotografavam os que estavam a subir mais lentamente. Depois de uns 24 km chegamos ao vilarejo Pedra do Poço, uma comunidade pequena e muito simpática. Paramos em frente à casa de Dona Maria a quem perguntamos sobre a rota para a fazenda que estávamos intentos a chegar. Ela nos explicou as opções de estradas e nos deu umas referencias, o René conferiu no mapa, posamos para uma foto com Dona Maria ao nosso
lado e seguimos em frente. Estávamos realmente no caminho certo. O mais curioso foi responder a uma indagação de Dona Maria, ela nos perguntou: “mas para onde vocês querem ir mesmo”? Então nos pusemos a explicar o que vínhamos fazer, sobre o tal do “ponto G”, de GPS e tudo mais. Mas René (ou não sei se foi o Lucas) deu a melhor explicação: “nós estamos atrás de algo que não perdemos”. Antes de sairmos do vilarejo eis que corre em nosso encontro uma segunda moradora e nos entrega duas garrafas de água congelada. Uma coisa que passar de bike pelas pequenas comunidades e cidadezinhas nos
permite é nos sentirmos acolhidos. A simpatia do povo é impagável. Vamos em frente, para mais uma volta na montanha russa. Numa dada ladeira, o René e o Ricardo desceram a toda e eu segui logo atrás deles, mas ao termino da descida, ao olhar para trás não vi o Lucas. Inicialmente pensei que ele tinha ficado para trás por algum motivo, assim eu voltei para checar, mas não o encontrei. Gritei algumas vezes e nada. Daí pensei: “será que ele me ultrapassou e nem vi e está lá na frente com os outros”? Segui em frente até encontrar o René e o Ricardo e constatar que o Lucas não estava com eles. Voltamos os três. Comecei
a ficar preocupado, pensando no que poderia ter ocorrido. Quando isso ocorre, um fica para trás, é de praxe que quase de imediato paremos e voltemos, mas devido a ladeira íngreme que descemos só me dei conta do desaparecimento do Lucas um bom 1 km adiante. Esperávamos que nada de grave tivesse ocorrido. Ao chegarmos a dita cuja ladeira encontramos o Lucas empurrando a bike. Devido à alta velocidade que atingíamos nas descidas e a existência de muitas pedras de tamanhos sortidos ao caminho, sempre tememos o pior: uma queda grave. Ufa,mas ele estava bem. O problema tinha sido a corrente que quebrou. Nos pusemos a concertar a bike dele e tão breve o havíamos feito, seguimos em frente. Estávamos perto. Mais algumas fotos e nos pomos a rodar novamente. Chegamos a uma
propriedade, de um antigo prefeito do lugar, onde segundo o GPS estávamos perto de nosso objetivo, mas como tínhamos que abandonar a estrada e adentrar em um campo da propriedade. Então fomos em busca da autorização para fazermos a incursão. Encontramos um morador local que nos indicou a casa do gerente da fazenda e nos ajudou a pedir a autorização. Aqui, neste momento, mais uma vez, houve a necessidade de explicarmos o porque estávamos ali. Lá fomos nós novamente: GPS, Google, gente desocupada, fotografia, geomarcação, latitude e longitude. Acho que o pessoal pensou, com uma certa razão, que
somos loucos (kkkkkkk). O Ricardo foi com ele à casa do gerente, com o mapa e o GPS à mão, enquanto ficamos, os outros, a conversar sob uma tênue sombra de uma arvore de pouca folhagem. Esperamos e esperamos, até que recebemos a notícia que podíamos prosseguir. Agora não havia estrada, eram trilhas (quando havia) de animais e muitos arbustos secos pelo nosso caminho. Estávamos a pouco mais de 4 km do ponto G. A medida que avançávamos eu penava em quão significativo e empolgante era aquilo (pelo menos para mim). Como demorei muito para possuir uma bicicleta e só recentemente comecei a andar em uma MTB de verdade, desbravando trilhas, passando por obstáculos, redescobrindo o menino em mim, é tudo novo para mim. Tudo é um desafio. Um buraco, uma manobra mais ariscada, um drop, um obstáculo bobo, na verdade nada é bobo para mim, tudo é novo e empolgante. Me senti feliz e livre como nunca me senti antes e isso é a bike que proporciona (junto dos amigos). Seguimos até uma cerca, muito bem construída (diga-se de passagem), em que tivemos a necessidade de deixar as bikes para trás e seguir a pé até o dito ponto G. Com os GPS às mãos era chegada a hora de caminhar. Foram
mais de 30 min, e um pouco mais de 3 km, até chegarmos ao ponto G. Ao chegarmos lá (bem próximo ao ponto), começamos uma dança esquisita: dois passinhos pra lá, três passinhos pra cá, um giro e voilà, chegamos! O motivo da dancinha era ficar exatamente nas coordenadas, com todos os zeros (em minutos e segundos) aparecendo depois dos graus inteiros, isto é, queríamos estar exatamente em S 9° 00’:00” e W 41° 00’:00” e assim foi. Conseguimos! Mais fotos, para o registro oficial (que será enviado a Google), mais umas piadas de como é difícil achar esse tal de ponto G, mesmo com o GPS e assim foi. Agora era hora de voltar e algo nos incomodava: tínhamos que passar por tudo aquilo novamente (subidas, descidas e km e mais km de estrada). Tínhamos pouca água, pouca comida e muito cansaço. Mas, tínhamos que ir em frente, ou melhor dizendo, para trás. Depois de voltar 15 km, chegamos novamente a comunidade da Pedra do Poço e nos dirigimos o mais rapidamente para um bar, onde íamos em busca do liquido mais precioso para quem está com sede, como nós estávamos: a Coca-Cola! Pensou em água, não foi? Bebemos dela também, mas só depois de 2 litros do veneno negro. Aqui estávamos em uma encruzilhada. Estávamos mortos de cansados, desgastados e atrasados (em relação ao
cronograma inicial) e ainda restavam mais 20 km até Casa Nova, onde o carro e o reboque estavam. O calor estava de matar e o Lucas estava com uma baita enxaqueca. Tínhamos duas escolhas: reabastecer e voltar de bike ou arranjar uma carona para Casa Nova. Nós analisamos e decidimos pegar a carona. A dona do bar, mais uma moradora de simpatia e atenção para conosco extrema, foi até a casa de um senhor que possuía um caminhão, que pegava frente, e conversou com ele. Pronto, havíamos conseguido nossa carona. Mas o Sr.
do caminhão iria demorar um pouco até poder nos levar. René e Ricardo, os dois em melhor forma, decidiram que iriam continuar de bike até o ponto onde nos encontrássemos na estrada e eu e o Lucas decidimos esperar o Sr. do caminhão e alcança-los (de caminhão) para seguirmos juntos em cima da carroceria. Os mais brutos se foram e nós (Lucas e eu) esperamos um pouco pelo Sr. do caminhão. Num dado momento, antes da saída dos nossos companheiros de bike, quando Sr. do caminhão estava próximo de nós, enquanto René e Ricardo estavam montados nas bikes, a Sra. Dona do bar gritou, para tranquilizar o Sr. do caminhão, frente a cena de dois de nós em cima das bikes
e prontos para sair, e garantir que seguiríamos o plano inicial (de ir de caminhão) a seguinte frase: “Eles vão na frente, mas o velho tá doente e vai com o Sr.”. Aqui houve um arroubo de risos, sendo o Lucas reconhecido como o “veio doente”. Quando chegou o momento, pusemos nossas bikes no caminhão e nos pusemos à estrada. Os nossos amigos percorreram mais de 10 km até que os encontramos. Todos juntos novamente, desfrutamos da carona até a cidade. Neste momento, contado quantas subidas ainda teríamos pela frente, eu e o Lucas tivemos a certeza de que não teríamos conseguido voltar nas bikes. Fizemos
a escolha certa. Chegamos à Casa Nova, descemos do caminhão e recolocamos as bikes no reboque. Decidimos, pela hora, que almoçaríamos ali, num restaurante próximo. Nos confraternizamos, tomamos uma cerveja gelada, almoçamos, relembramos alguns momentos da aventura, nos despedimos do Ricardo, agradecendo a ele pela gentileza de ser nosso anfitrião e guia, e nos pusemos em movimento novamente, em direção a Petrolina. No caminho de volta comentávamos sobre a Expedição ponto G e como foi bom aquele dia de pedal. Chegamos em nossa cidade e cada um cuidou de ir para sua casa. Despedidas. Aqui deixo-os com minha impressão sobre a expedição: foi dura, mas muito significativa. Algo que ficará por muito tempo em minha memória. Que venham outras. Uma atualização: Em 21/05/2015 o "The Degree of Confluence" aceitou nossos dados de GPS e fotos, considerando que o ponto 9°S 41°W está completo, foi visitado oficialmente, e agora fazemos parte de um seleto grupo de visitantes dessas coordenadas inteiras. Para saber mais e acessar as informações do The Degree of Confluence acesse http://confluence.org/confluence.php?id=3980, e especificamente para ver a descrição de nossa expedição visite http://confluence.org/confluence.php?lat=-9&lon=-41


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